PRECONCEITO E DISCRIMINAÇÃO NÃO COMBINAM COM ESPIRITISMO

Doutrina enxerga na diferença ferramenta de evolução e é clara na defesa da fraternidade

Entrevista com Rodolfo Castro

O preconceito, nas suas diversas formas de expressão, está na agenda da sociedade brasileira. O assunto tem pautado o Congresso Nacional, movimentos sociais em defesa de minorias e até mesmo as novelas da emissora de maior audiência do país. A manifestação do preconceito, e seu combate, também mobiliza o cidadão comum, principalmente por intermédio das redes sociais, em um debate intenso e, às vezes agressivo. No Brasil, dentre tantas manifestações, tem maior visibilidade o preconceito racial, de gênero e por orientação sexual – esses três temas, com repercussões nos indicadores de violência e econômicos, são a face mais visível de uma mazela que alcança outros grupos sociais e tem forçado uma reflexão sobre cidadania.

Em meados de 2014, por exemplo, a Organização das Nações Unidas (ONU) divulgou relatório concluindo que o Brasil vive uma “falsa democracia racial” e que nega a existência de um racismo “estrutural e institucional”. Pesquisa do IBGE divulgada recentemente traduz em números parte desse problema: mulheres, negros, pretos e pardos têm avançado no mercado de trabalho, mas com passos mais lentos: o nível de ocupação das mulheres (45,4%) continua inferior ao dos homens (62,6%). Os dados do IBGE também indicam que o desemprego entre negros é 50% maior que entre brancos; que os negros possuem 1,6 ano de estudo a menos que brancos; que a taxa de mortalidade infantil entre negros é 60% maior que a população branca, além de outras variáveis de qualidade de vida que evidenciam discriminação.

A questão do preconceito também mobiliza os diversos segmentos religiosos, doutrinários e filosóficos. E o Espiritismo, como lida com o preconceito? Como a doutrina aborda a questão das diferenças e o que esperar daqueles que abraçam a Codificação? Esse é o tema de entrevista com Rodolfo Castro, diretor do Departamento de Assistência Espiritual do Geae. Para ele, a doutrina é clara quando destaca a existência física como ferramenta de evolução do espírito. Leia os principais trechos:

O Brasil registra um aumento nas iniciativas de conscientização e combate ao preconceito, nas suas diversas expressões. Como a doutrina espírita lida com esse assunto?

Rodolfo CastroA Doutrina Espírita nos esclarece que, antes de sermos homens ou mulheres, brancos ou negros, americanos ou brasileiros, somos espíritos, criados por Deus, simples e ignorantes e cuja missão é evoluir, aprendendo a usar o livre-arbítrio com inteligência e responsabilidade. Dessa forma, o Espiritismo nos faz pensar sob a lógica do Espírito que, por sua vez estagia em diversos corpos e condições no intuito de aprender. Assim, o espírita precisa rever sempre suas crenças e avaliar seus preconceitos, visto que somos esses espíritos em aprendizado e que, naturalmente, iremos desenvolver outros valores. Isso implica em abandonar crenças egóicas e adotar princípios fraternos. A isto dá-se o nome de reforma íntima.

Em uma sociedade diversa como a brasileira, que papel pode desempenhar o Espiritismo no esforço pela conscientização das pessoas?

R.C. – Sendo uma doutrina consoladora, o Espiritismo só atingirá esse intento se esclarecer, pois não há consolo efetivo sem conscientização. Kardec questiona os espíritos amigos, na questão 799, de o Livro dos Espíritos, sobre qual a maneira que o Espiritismo pode ajudar o progresso. E, estes respondem que o progresso social só será atingido se destruirmos o materialismo. O materialismo, por sua vez, é fruto do nosso orgulho e egoísmo. No entanto, para destruir o materialismo é preciso avaliar os eventos pela lógica da vida futura e pela busca da solidariedade. Por lógica da vida futura, entendemos o seguinte: somos espíritos e, portanto, transitamos no espaço-tempo, isto é, antes das nossas experiências atuais, já existimos e continuaremos a existir depois dessa vida. Além disso, todos os eventos que nos acontecem ou todas as crenças que temos são frutos das nossas aquisições emocionais e morais, ao longo de diversas vidas. Logo, ao reencarnarmos temos a oportunidade de adquirir novos valores que, por sua vez irão possibilitar o desenvolvimento de novos repertórios emocionais e morais, os quais possibilitarão uma conduta mais adequada e, na qual desenvolveremos recursos que nos levem ao ideal de fraternidade e solidariedade.

Aproveitando sua experiência como trabalhador espírita, qual seria, na sua opinião, a raiz do preconceito e qual a melhor maneira de combatê-lo?

 R.C. – A raiz do preconceito, como de todas as outras mazelas, encontra-se no orgulho e no egoísmo, isto é, a falsa crença de que somos melhores que os outros. E, é só com o autoconhecimento e trabalho em prol do outro que poderemos minimizar tais sentimentos. Com o autoconhecimento, entenderemos os motivos pelos quais temos o conjunto de crenças que temos. E, no trabalho em prol do outro, entenderemos o impacto de nossas atitudes em nossos irmãos. A partir de então, poderemos seguir os conselhos do Cristo: amar o próximo como a nós mesmos e não fazer ao outro o que não gostaríamos que fizessem conosco.

Considerando as premissas da lei de causa e efeito, como avaliar o efeito do preconceito na trajetória de quem o pratica e de quem o sofre?

R.C – Primeiramente, devemos destacar que a lei de causa e efeito não é uma lei punitiva, mas, destina-se a nossa reabilitação. Kardec, nesse sentido, esclarece na obra o Céu e o Inferno, capítulo 7, que, diante de nossas condutas equivocadas é necessário o arrependimento, isto é, a tomada de consciência; a expiação, sentir o impacto de nossas ações e, sobretudo, a reparação, entendida aqui, como a mudança de postura após entendermos a lição. Seguindo essa lógica, todo aquele que promove sofrimento, de qualquer natureza, passará pelos passos que o levam à reparação, mas, não necessariamente, sofrendo a mesma ação que infligiu no próximo, afinal, temos diversas formas de tomar consciência e perceber o impacto de nossas ações. Fato é: todo o mal cometido terá que ser reparado. E aquele que sofre a ação? Independente das causas que nos fazem sofrer, devemos lembrar que a revolta e a mágoa nos mantém vinculados ao sofrimento. Dessa forma, toda ação penosa que sofremos é convite para exercitarmos o perdão.

Qual a melhor maneira de abordar o assunto e construir uma atitude mais fraterna?

R.C A melhor maneira é lidar de forma mais natural com esse assunto. A temática do preconceito e da discriminação deve fazer parte dos nossos debates na Casa Espírita, mas, isso não pode ser feito no intuito de condenar pessoas, pois estaríamos incorrendo no mesmo erro. Devemos esclarecer que todos nós temos preconceitos, pois, trazemos dentro de nós o egoísmo e o orgulho, os quais serão naturalmente debelados, quando nos propusermos a mudar. Só assim, nos debates, iremos reconhecer como esses preconceitos se manifestam, visto que nem sempre temos consciência deles. Por vezes, eles se manifestam em pensamentos, na fala, em gestos ou em ações concretas e discriminatórias. Não devemos compactuar com ações discriminatórias de qualquer espécie, mas, ao invés de punir, atuando também de forma preconceituosa e discriminatória, devemos orientar e esclarecer. A partir de então, com os subsídios voltados para o amor e para a fraternidade, que a Doutrina Espírita nos oferece, iremos começar a mudar nossas posturas.

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