CRIANÇAS CONDUZIDAS PARA AS BESTIALIDADES
Se não observamos as regras da educação, permitimos acender para o faltoso de ontem a mesma chama dos excessos de todos os matizes, que acarretam o extermínio e o delito.
Por Jorge Hessen
Há dois mil anos, O Messias ensinou: “Bem-aventurados os mansos, porque eles possuirão a Terra.”1 O Crucificado ainda disse: “Bem-aventurados os pacíficos, porque serão chamados filhos de Deus.”2 Por estas máximas, o Divino Mestre estabeleceu, como lei, a doçura, a moderação, a mansuetude, a afabilidade e a paciência. E, por consequência, “condenou a violência, a cólera, e até mesmo toda expressão descortês para com os semelhantes.”3 A brutalidade ensombra as conquistas sociológicas de todos os séculos. Germina em todos os níveis da sociedade, consubstanciando-se em várias amplitudes e espectros de cores tenebrosas.
O famigerado plebiscito sobre a proibição da comercialização de armas de fogo e munições, ocorrido no Brasil em 23 de outubro de 2005, não consentiu que o artigo 35 do Estatuto do Desarmamento (Lei 10826, de 23 de dezembro de 2003) entrasse em vigor. O resultado do sufrágio revelou o desorientado caráter moral da maioria da sociedade brasileira. É constrangedor sobreviver num país que encabeça a lista mundial em casos de mortes produzidas com a utilização de armas de fogo.
Alguns dos mais variados setores da sociedade brasileira defendem a manutenção do comércio legal de armas de fogo aos cidadãos que necessitarem, por algum motivo, justificando que todos têm direito a possuir, nos limites da Lei, uma arma de fogo para se defender de qualquer atentado à incolumidade física do indivíduo, sua vida, seu patrimônio etc.
Entendemos ser falsa a segurança oferecida pelas armas, especialmente considerando o potencial de alto risco do seu uso por pessoas não habilitadas, que podem causar efeitos danosos e irreparáveis na vida doméstica do cidadão de bem. Como se não bastasse, o Brasil é grande produtor de armas (contrastando com o compromisso espiritual), por isso cremos que proibir sua comercialização no mercado interno deveria ser prática inadiável, porque o problema seria atacado diretamente em sua origem.
Há poucos dias uma menina americana de 9 anos de idade provocou acidentalmente a morte do seu instrutor de tiro, Charles Vacca, ao manusear e perder o controle de uma submetralhadora Uzi.4 A tragédia ocorreu no estande de tiro Last Stop, em White Hills, no Estado do Arizona. Na cultura rural de diversas regiões norte-americanas, é comum os pais estimularem os filhos a usar armas de fogo. Muitos americanos recorrem à Segunda Emenda da Constituição nacional, que prevê “o direito das pessoas a ter e portar armas”, no contexto do porte de armamentos para autodefesa.
Essa trágica cultura é tão forte que nem o massacre na escola de Sandy Hook, em Newtown, Connecticut, em dezembro de 2012 – na esteira de outros ataques a tiros, como Columbine, Virginia Tech e Aurora – criou condições suficientes para aprovar legislação tornando mais rigoroso o controle de armas, como defendia o presidente Barack Obama.
A estrutura emocional e mental da abatida menina americana está completamente destroçada. Um pai que expõe seu filho a um treinamento em estande de tiro só pode ser um celerado. Muitos pais acreditam que ensinar os filhos a manusearem armas de fogo pode incentivá-los a cuidar mais de si mesmos quando crescerem. Entretanto, esses pais irresponsáveis desrespeitam a liberdade dos filhos, deixando de saber quais são os reais sonhos dessas crianças, projetando nelas as suas frustrações.
Pediatras, psicólogos, professores e estudiosos consideram muito prejudicial para as crianças e jovens o incentivo a “autodefesa armada”, pelo efeito da violência que essas práticas produzem, pois armas podem fascinar as mentes infantis, principalmente porque são desempenhados por “heróis” de filmes de ação, vistos em cinemas, revistas em quadrinhos ou na televisão. Uma legítima educação é aquela em que os poderes espirituais regem a vida social. Todavia, o “homem moderno” e que se diz “civilizado” se envaidece com a sua capacidade de subjugar os outros, de mandar, de impor medo, quando o ideal seria ensinar à sua prole o respeito humano e submissão a Deus. A degradação moral do homem contemporâneo abriu as comportas da violência, represada debilmente pelas barreiras artificiais da civilização.
O que identificamos de forma generalizada é o total distanciamento dos pais modernos ao nível de educação dos filhos nesse sentido. De maneira geral, transferem suas responsabilidades para as escolas ou para o Estado, enquanto eles é que tinham que dizer aos filhos se isso ou aquilo é perigoso para menores ou não. Os pais precisam fazer com que os filhos entendam que eles têm que cumprir sua parte para usufruir as benesses do amor. Os pais precisam exigir mais. “O exigir é muito mais acompanhar os limites, daquilo que o filho é capaz de fazer”. Para Içami Tiba, se “Você quer educar? Seja educado. E ser educado não é falar “licença” e “obrigado”. Ser educado é ser ético, progressivo, competente e feliz.”5
Se não observamos as regras da educação, permitimos acender para o faltoso de ontem a mesma chama dos excessos de todos os matizes, que acarretam o extermínio e o delito. “Os pais espiritistas devem compreender essa característica de suas obrigações sagradas, entendendo que o lar não se fez para a contemplação egoística da espécie, mas sim para santuário onde, por vezes, se exige a renúncia e o sacrifício de uma existência inteira.”6
Fontes:
http://jorgehessenestudandoespiritismo.blogspot.com.br/
Referências bibliográficas:
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Mateus, V: 4
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Mateus, V: 9
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Kardec, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo, Rio de Janeiro: Ed Feb, 2001, cap. IX
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A Uzi é uma popular submetralhadora desenvolvida por um militar israelense na década de 40, capaz de disparar até 600 projéteis por minuto.
- Entrevistas com Içami Tiba, psiquiatra, autor de livros como “Adolescentes: quem ama educa!” e “Disciplina: Limite na Medida Certa” disponível em http://delas.ig.com.br/filhos/educacao/nos+educamos+os+filhos+para+que+eles+usem+drogas/n1597078796088.html
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XAVIER, Francisco Cândido. O Consolador. Pelo Espírito Emmanuel. 17. ed. Rio de Janeiro: FEB, 1995, Perg. 113